Sobre possuir opiniões políticas

               Escrevi esse texto no ano passado, e publico agora em 2017, pois depois de ter morado em outro estado desse enorme Brasil - não qualquer um, mas talvez o mais contaminado pela febre das discussões (pseudo-)políticas - volto a afirmar tudo o que disse há um ano atrás, na época das últimas eleições. Eis o texto:

             Resolvi escrever isso motivado pelos acontecimentos do Impeachment, das últimas eleições para prefeito, e também, agora, das últimas eleições norte-americanas, mas sei que essas mesmas reflexões se aplicam a diversos outros contextos de semelhante natureza.
               É notório através do fenômeno das redes sociais o imenso volume diário de asserções que se fazem sobre o destino do Brasil, dos EUA e de qualquer outro local do mundo com respeito aos acontecimentos políticos. Eu realmente fico sem conseguir acompanhar todos os fatos e, menos ainda, das opiniões que se emitem sobre os fatos. Sinceramente, não sei se me orgulho ou me envergonho disso.
                Mas eu não escrevo para falar das opiniões que se emitem, mas sim da "pressão" que nos colocam sobre as cabeças para que se tenha uma opinião a respeito desse tema. E não pedem que você simplesmente tenha uma opinião, mas também que se declare ou que se defina como pertencente desta ou daquela corrente, partido ou ideologia.
                Em minha família, e também entre meus colegas acadêmicos, muitos me consideram alienado por não defender nem o lado dos azuis e nem o lado dos vermelhos ou amarelos, me julgam como covarde por não defender abertamente uma posição, taxam-me por apolítico já que "sou indiferente" às questões do Estado, e ainda por qualquer coisa de "indefinido", já que ora critico os que estão na oposição e ora critico os que estão  na situação, não defendendo e apoiando a priori toda e qualquer ação de tal político, como o fazem os que seguem determinado partido.
                O tempo todo me perguntam se defendo a esquerda ou a direita, e como eu não responda, ou hesite, ou enrole, ou balbucie qualquer coisa confusa, já não me consideram alguém digno de crédito nessa matéria, e saem em busca de outro que exalte um lado e demonize o outro, qualquer um que seja, bastando que o faça. Segundo essa gente, é melhor aquele que afirme algo ainda que não o entenda, do que aquele que não afirme nada, porque precisa primeiro entender e se certificar do que vier a afirmar.
                Saibam, amigos, que não escrevo isso da poltrona confortável daquele que não quer pensar no assunto, pelo contrário! Senão não me daria a esse trabalho. Mas sim escrevo como talvez a única forma que encontro de demonstrar esse ponto de vista, uma vez que no diálogo eu já teria sido cortado no primeiro parágrafo.
                Outro dia, um amigo meu de estudos filosóficos expressava esse mesmo sentimento ao mencionar os temas de redação do ENEM e demais vestibulares, e toda a cultura dos cursinhos e escolas de ensino médio que exigem que você tenha uma opinião a respeito da monocultura, do terrorismo, da violência contra a mulher, da prostituição infantil, da maioridade penal, da pena de morte, dos transgênicos, da pesquisa espacial, do ensino superior gratuito, da legalização da maconha, e de uma infinidade de outros assuntos. A todos esses temas você tem que ser capaz de argumentar contra ou a favor, não importando o quanto de investigação prévia e domínio você tem do tema.
                Eu realmente admiraria muito uma pessoa que fosse capaz de proferir soluções acertadas sobre todos esses tópicos, como lhe pedem no ENEM e afins, e reconheço que todos são problemas intrigantes e importantíssimos na sociedade atual. Mas a questão aqui é sobre a absurda ambiguidade entre necessidade imposta de ter uma opinião a respeito e a clara indiferença quanto a se essa opinião é verdadeira ou não, se é sustentada em fatos, se tem comprovação com alguma experiência, se parte de uma vivência particular ou se contém um princípio geral, se possui vantagem sobre os demais aspectos das outras correntes de pensamento ou se possui algum equivalente histórico que lhe dê base e credibilidade.
                Mas não, nada desse embasamento lhe é exigido, é exigido apenas que você defenda se é contra ou favor de tais assuntos. Era disso que falava meu amigo sobre as redações, e é exatamente disso que falo aqui sobre os acontecimentos políticos.
                Li a obra do maior filósofo do século XX (em minha acepção), Jorge Ángel Livraga, e ele me mostrava através de suas páginas a angústia de um personagem que, para que parecesse sensato ante aos demais, se calava frente àqueles que "ordenavam os problemas milenários da humanidade em um par de horas", e não tive como não me identificar. E não tive como não me identificar ainda quando li o que seu personagem constatara quanto a que era exigido "tanta prova para se recomendar remédios a médicos, que já os deviam conhecer", e por isso todos se julgavam sensatos, mas tão pouco, fazendo uma comparação com que seria esperado, era exigido para "titular-se como profissional; formar uma família e ter filhos; para, no pináculo da responsabilidade, dirigir um Estado...".
                É exatamente nesse sentido que eu hesito em proferir opiniões sobre se o Impeachment foi bom ou ruim, se a eleição do Trump foi boa ou ruim, e se o resultado do segundo turno no Amapá foi bom ou ruim, muito embora internamente eu tenha uma leitura a respeito desses fatos, e ela não seja muito boa...
                Acontece simplesmente que eu parto de um ponto de vista lógico, o mesmo que aplico diariamente em minha prática científica, que para que eu consiga compreender e controlar um fenômeno em toda a sua complexidade, tal e qual acontece na natureza, preciso primeiro realizar inúmeros testes com este fenômeno em laboratório, com um número menor de variáveis e aprender a dominá-lo nessa condição, para então ir aumentando o número de variáveis até possuir a compreensão global do assunto.
                Os que me conhecem de perto sabem das dificuldades que possuo - mesmo tendo adquirido razoável formação acadêmica considerando em média os que possuem a minha idade - em administrar bem a minha própria vida: meu tempo, meus negócios imobiliários, meus recursos, meus estudos, minha saúde física e mental, etc. Sendo assim, como opinar seguramente sobre a administração da universidade na qual trabalho? da gestão da cidade, do Estado ou do país em que vivo? Ou ainda o que é pior, sobre a gestão de um país em que não vivo?
                Sim, procuro ler, aprender, me informar a respeito, e talvez num determinado aspecto particular de um problema eu esteja capacitado a opinar, pois já não será uma opinião, e sim uma expressão de uma convicção. E admiro sim os que falam com propriedade sobre tais problemas, porque o fazem! E dentro da minha medida busco tal capacidade. Porém os que afirmam e fazem prognósticos no facebook, ou na televisão não se preocupam com isso, e recebem aplausos...
                Simplesmente posso resumir tudo concordando com Sócrates quando diz que "aquele que diz que sabe, mas não vive de acordo com o que sabe (não possui fundamento), na verdade não sabe".

Gerson Anderson, 09/11/2016

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