O Brasil pode perder o Amapá para a França?
Circulou
recentemente (novembro de 2019) a declaração do atual vice-presidente Mourão
sobre o risco de o Estado do Amapá ser perdido para a França. Segundo ele
mesmo, se dermos crédito às matérias, o Amapá é uma ilha em relação ao resto do
país e forma um conjunto com a Guiana Francesa, ainda hoje subordinada ao
governo francês central, europeu. O vice-presidente destacou que o Amapá
precisava continuar “nas nossas mãos”, e não poderia ser deixado perder para a
França, visto que a Guiana Francesa é a União Europeia marcando espaço na
América do Sul e eles possuem grandes interesses na região amazônica.
Sei
que isso é somente mais um sensacionalismo jornalístico (aliás, como todo
jornalismo atualmente, visto que não há mais noticiário sério, pelo menos se
quiser ter público, dada a superficialidade intelectual dos leitores), porém me
fez refletir a respeito. Será mesmo que o Brasil pode perder o Amapá para a
França? Quais as consequências disso? Quem sairia ganhando ou perdendo?
Acho
improvável esse acontecimento, pelo menos nos próximos anos. Entretanto, como
amapaense que sou, vamos pensar: que tal passar a falar francês (o idioma
preferido da minha mulher, que o acha super sexy), comprar mais barato alguns
vinhos excelentes e perfumes de grife, possuir cidadania francesa (entenda-se:
posse livre na Europa), poder viajar de férias para Paris em voo comercial e
ganhar em Euro?
Fiz
a tradução do artigo da tese do Dr. Joel Diniz para o inglês, e nela aprendi
que o Amapá, geograficamente, pertence ao platô das Guianas, e inclusive já foi
chamado de Guiana Portuguesa ou Guiana Brasileira, à maneira das suas análogas
inglesa, holandesa e francesa. Além disso, como destacou meu aluno Gabriel
Teixeira, Deus colocou simplesmente o maior rio do mundo nos separando do
Brasil. Nas palavras dele, “somos brasileiros de gaiatos”.
Sobre
essa questão do rio, eu tenho uma estória (sim, com a letra “e” mesmo). Em
2017, em uma reunião do meu grupo de pesquisa em São Carlos, onde fiz mestrado,
certa vez o professor líder do grupo mencionava a excelente oportunidade que
teríamos de aperfeiçoar nossos conhecimentos de espectroscopia Raman com um
especialista de Fortaleza-CE, na época colaborador de nosso grupo. Ele afirmava
que para mim seria mais fácil, assim que retornasse para minha cidade, pois o
Ceará se encontra mais perto do Amapá do que de São Paulo. Eu contra-argumentei
que não era bem assim, uma vez que é muito mais caro um voo para Fortaleza do
que um para São Paulo, partindo de Macapá. Uma amiga pós-doc uruguaia de nosso
grupo perguntou porque então eu não ia de ônibus, em vez de avião, e eu tive de
explica-la que havia um rio (o Amazonas, caso ele nunca tenha ouvido falar) que
separava o Amapá e o Pará, de modo que não havia ligação por terra entre meu
Estado e os demais no Brasil. As risadas tomaram conta da sala, e seu eco
chegou aos meus ouvidos dizendo o seguinte: Em que fim de mundo você mora
Gerson Anderson?
Cara,
eu já fui o defensor de Cabralzinho enquanto a maioria dos professores de
história de cursinho o ridicularizavam (Aliás, é uma tendência dos professores
de história diminuir ou procurar defeitos em qualquer personagem grande da
história, ou que tenha feito algo de importância, para mostrar que eles não
foram tão grandes assim. Talvez a grandeza de alguém destaque a sua pequenez).
Eu já me orgulhei de morar no país que possui a maior extensão territorial do
hemisfério Sul. Eu já expressei a admiração de ser cidadão de um país tão
grande que, apesar da gigante diversidade cultural, possui uma unidade
linguística e territorial invejável, que foi conseguida sem derramar tanto
sangue quanto seus similares na história (apesar de que teve bastante). Eu já
bati no peito muitas vezes com orgulho por ser brasileiro! E por ser amapaense!
Agora
vamos pensar... o que o Brasil oferece ao Amapá? Somos a periferia do país,
muitos sequer não sabem de sua existência ou do que acontece por aqui. Em
minhas andanças pelo país ouço piadas sobre o Sarney ter saído do Maranhão para
possuir uma fazenda de burros no Amapá, que o botaram no senado (e foi
presidente!). Somos tidos (aliás toda a região norte) como um peso para o país,
visto que a economia do Sudeste, especificamente de São Paulo, nos sustenta.
Estamos nas últimas colocações nos índices de educação, saneamento, saúde, etc.
Possuímos uma única estrada de ferro que está sucateada, mas que poderia
desenvolver a economia do Estado, e temos uma rodovia de norte a Sul que em
décadas nunca foi terminada. A nossa única ponte situada no Laranjal do Jari,
ao sul do Estado, que nos uniria ao Pará, e ao resto do país, nunca foi
concluída (eu visitei suas ruínas).
Por
que será que o presidente Mourão expressa preocupação pelo Amapá? O Brasil tem
cuidado desse Estado? Esse Estado que no refrão de seu hino afirma que “se o
momento chegar, algum dia, de morrer pelo nosso Brasil, hão de ver desse povo a
porfia, pelejar nesse céu cor de anil”! Será que o Brasil está preocupado em
cuidar do povo do Amapá? Ou será que eles não sequer sabem que há um povo aqui,
e apenas olham no mapa uma região losangular verde, rica em minérios e
diversidade ecológica (que por sinal, o mesmo governo que está “preocupado”, se
empenhou em vender)?
Cabralzinho,
eu já te admirei na história por nos ter mantido ao lado do Brasil! Mas hoje eu
estaria do lado francês! Eu já fui o sarcástico nas redes sociais e nas aulas
de história, que zoou e ridicularizou os franceses pela sua tentativa absurda
de ganhar o norte do Amapá (justamente a região do ouro) na mão grande, quando
quiseram enganar a todos dizendo que o rio Araguari era o rio Oiapoque (em uma
boa linguagem amapaense: quiseram dar uma de João sem braço!).
E
o que penso hoje?
Hoje
em dia eu penso para além de ideologias políticas, especialmente as que vivem
dividindo os brasileiros (a porção menos informada principalmente) entre
direita e esquerda. Sobre essa questão do Amapá, sendo menos “ideólogo” e mais
pragmático, eu me perguntaria: o que é mais vantajoso?
Eu
já estive na Guiana Francesa, e via que lá não é tão desenvolvido, mas é mais
organizado em termos de serviços por exemplo. Estive em Saint George, na
capital política Caiena e na capital econômica Kourou. As duas maiores cidades
da Guiana Francesa são parecidas em tamanho a Macapá, esta uma das menores capitais
brasileiras, apesar de que lá circula mais dinheiro. A floresta também é muito
bem preservada.
Com certeza,
se fosse para eu trabalhar na construção civil, no comércio, ou em serviços
domésticos, eu optaria por ficar no Brasil mesmo. Tenho pessoas próximas de mim
(uma tia, um primo, alguns amigos) que foram para lá tentar esse tipo de vida e
retornaram, sem muito lucro, após “dar muito murro em ponta de faca”. Porém, na
minha condição de professor universitário e de pesquisador, provavelmente eu conseguiria
bons cargos, uma vez que a União Europeia possui declaradamente grandes
interesses de pesquisa na região amazônica e um pesquisador filho da casa seria
um ganho e tanto. Além disso a própria política do governo francês para com a
ciência e os pesquisadores é muito diferente da brasileira (que considera a
ciência algo supérfluo e ano a ano se intensificam os cortes de verbas). O
próprio representante do consulado francês em Macapá me ofereceu vários
benefícios (como visto de 1 ano em vez do de três meses que os visitantes
recebem), tão logo ele soube que eu era pesquisador.
Até
hoje me considerei um nacionalista. Inclusive fiquei irritadíssimo quando o
Bolsonaro resolveu adotar a bandeira do Brasil como símbolo de campanha e as
nossas cores como suas cores de partido! Para mim isso foi um desserviço ao
nosso símbolo nacional, e qualquer partido que o fizesse me irritaria do mesmo
jeito! Nossa bandeira deve representar a todos nós, e não unicamente a uma
parcela que segue determinada ideologia.
Porém
hoje, no que diz respeito ao todo, ao país, eu estou do lado daquele que
efetivamente trabalhe para garantir pelo menos o mínimo digno de condições de
trabalho, educação, saúde, segurança, etc. Independente se é com intervenção do
Estado ou não, se é com base nas ideias de pensador x ou y. E vejo que isto
está longe de acontecer no Brasil, tanto vindo de um lado quanto de outro.
Portanto,
se o governo francês me adotasse, se me concedesse uma boa posição, se eu vise
vantagem para o povo do Amapá, incluindo a mim
mesmo, vocês encontrariam aqui o mais ferrenho e inflamado soldado de
arma na mão e de rosto pintado de azul, vermelho e branco, gritando “Vive la
France!”, no maior estilo do clássico Os Miseráveis, do grande Victor Hugo!
Estive na base de lançamento de foguetes em Kourou, se me oferecessem um
emprego lá, bastava deixar o mesmo valor numérico do meu salário, apenas
mudando de reais para euros, e algumas vantagens, e eu deixaria a
cristalografia e partiria para a astronáutica sem pestanejar!
É
óbvio que o melhor seria melhorar o Brasil, nossa terra natal, e não
simplesmente abandoná-la. Mas as opções são escassas...
Por
que não ser independente então? Não seria melhor isso do que ser sempre o canto
esquecido do Brasil? Ideologicamente parece excelente! Mas não o é. Os meus
amigos de esquerda (ou das esquerdas, com diz Tayrine Gouvêa) têm muito esse
discurso de bater no peito e dizer “sou livre”, “sou independente”, isso para
eles, esse orgulho, é mais importante que qualquer situação precária que venham
a passar. Já os meus amigos da direita (ou direitas?) não pensam muito nisso e
optam o que dá mais lucro.
Eu
critico demais a direita, mas nesse ponto estou com eles. Não seria nada
lucrativo, hoje, o Amapá ser independente. Não temos sequer uma boa empresa de
base, de onde poderíamos garantir nosso PIB (as poucas que temos são
estrangeiras), e o Amapá hoje sobrevive com mais de 70% de sua verba fornecida,
a contragosto, pelo governo federal. Ou seja, nem caminhar com as próprias
pernas nós caminhamos! Nos tornando independentes, não dou um ano para que
estejamos falidos e nos tornemos um Haiti da vida.
Aqui
não é como na região Sul (onde há um movimento separatista forte) ou no
Nordeste (onde há quem também queira se separar, como expressou o poeta Bráulio
Bessa após as eleições para presidente). Nessas regiões, no Sul mais do que no
Nordeste, há empresas que produzem a riqueza da região. O Nordeste recebe muito
do governo federal também, assim como o Norte, mas lá já tem algo desenvolvido
para que pudesse se manter sozinhos se ocorresse a cessão. Aqui não,
voltaríamos a um estado primitivo e rural: cientista e pesquisador não seria
profissão, e eu provavelmente me mudaria.
Dadas
as opções atuais, melhor que ser um Estado esquecido do Brasil, ou ser um país
independente, mas falido, eu prefiro tornarmo-nos um Estado ultramarino
francês!
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