Um Lopes Doutor!
A data de hoje
(29 de dezembro) sempre foi especial para o lado paterno da minha família, os
Lopes, pois é o aniversário de minha avó, matriarca da família, a Sra. Maria
Mercedes dos Santos Lopes, ou apenas Dona Mercedes, como ela era mais conhecida
de todos os familiares e amigos. Sempre foi costume nosso emendar as festas de
Natal, aniversário da vovó e ano novo, praticamente fazendo uma festa em
continuação da outra. O fim de ano sempre foi muito animado, com todos se
encontrando na grande maioria das vezes justamente na casa da minha avó para um
jantar e depois, de lá, indo para encontrar os demais parentes e amigos.
Neste ano,
2024, é a primeira vez que ela não se encontra presente nesse plano conosco,
pois partiu em 03 de outubro, com quase 93 anos de idade. Um mês e meio depois desta perda, tivemos outra tão profunda quanto, a da minha tia Nilcedes, a primeira
filha da Dona Mercedes. Tudo isso foi profundamente dolorido em todos nós, e
ainda é, mas temos a crença de que elas estão junto de meu avô Juvêncio Lopes,
marido de Mercedes, e de nossos demais entes queridos em bom lugar! Foi esse
clima de nostalgia familiar na data de hoje que me inspirou a escrever sobre
uma história que começou com meus avós e chegou até mim.
***
Há muitas histórias
engraçadas na minha família, algumas que sempre foram engraçadas e outras que
não eram engraçadas quando aconteceram, mas se tornaram depois. Tem até uma
frase muito repetida entre meus tios e primos que é: “Depois que passa, tudo
vira sacanagem!” (rsrsrs[1]).
Às vezes essa “sacanagem” vem dias ou meses após o fato originário, mas em
outras vezes vem em questão minutos após um ocorrido. Muitas dessas histórias,
além de me fazerem rir, também me fizeram refletir sobre muita coisa desde que
as ouvi pela primeira vez, e seguem fazendo. Algumas, posso dizer seguramente,
fizeram parte até da minha formação, representando certas ideias ou princípios
que procuro seguir.
A
história que motivou o texto de hoje começou com uma frase dita pelo meu avô
paterno, seu Juvêncio, há muitos anos, quando seus filhos eram ainda jovens, em
que ele comparava esses mesmos filhos com os de um vizinho, que eram todos
formados, e se queixava de que nenhum dos seus tinha realizado os mesmos
feitos.
Depois isso
virou uma piada na família, devido a forma como o meu avô dizia (forma essa eu,
infelizmente, não consigo representar adequadamente por escrito, pois o jeito
engraçado da frase vem quando você escuta ela sendo dita). E essa piada, que me
chegou através de meu pai, de minha avó paterna e de meus tios, se tornou
importante para mim nos últimos anos pois era uma espécie de motivador em uma
de minhas buscas pessoais e profissionais: o doutorado. Porém antes de detalhar
essa história, preciso contextualizar um pouco mais sobre esses personagens de
minha família.
***
A história que
me foi contada por meu pai, Gerson Lopes, é que meu avô Juvêncio sempre
elogiava duas casas de alguns amigos dele, do mesmo bairro: os filhos do seu
Barroso e os filhos do seu Antônio. Segundo o vovô Juvêncio, eram duas famílias
exemplares. Inclusive um dos quatro filhos do seu Antônio, chamado Manoel Luís,
estudou com meu pai. Meu pai inclusive diz que Manoel era muito bom em
matemática, mas mesmo assim pegou aulas com meu pai na época em que estudaram no colégio
Roraima, uma escola do bairro. Após o ensino médio, como naquele tempo não havia faculdades em Macapá,
quem tinha condições ia para fora estudar. E foi o que aconteceu com Manoel
Luís e Ezyr, que era um outro garoto dessa turma de amigos, que também
estudavam juntos. Saíram e “voltaram tudo engenheiro”.
E era
justamente esse fato de os filhos do seu Antônio, principalmente, serem
estudados e terem se formado na faculdade, que o meu avô Juvêncio elogiava. Só
que a forma do meu avô elogiar os outros era “escroteando” os próprios filhos (kkkk,
isso também a minha avó Mercedes fazia, ela falava bem de alguém e já dava um
ralho em quem estava escutando: “fulano fez tal coisa e tu estás aí! Cadê que tu
fez também?”). Nas palavras de meu pai, o vovô costumava falar: “Aqui de casa
não se forma um! Ninguém estuda, ninguém se forma!”.
Teve inclusive
uma vez, que um dos garotos mais novos filhos do seu Antônio, um rapaz
esforçado, conseguiu um estágio no Banco do Brasil, em um desses programas de
estágio para jovens. Meu avô teria visto ele trabalhando no banco e chegou em
casa dizendo que ele “era chefe no banco”. Não qualquer chefe, “era chefe
geral!” (hahaha o exagero é outro elemento comum nas histórias de meu avô, e
digo que meu pai herdou isso também kkk).
Naquele tempo,
nem faculdades tinham na cidade, muito menos as pessoas sabiam direito o que
era pós-graduação. Então praticamente quem ia para fora e voltava formado era “Doutor”,
e era chamado pelos outros assim. Vovô dizia: “Os filhos de seu Antônio são
tudo doutor, e daqui de casa não sai um!” (kkk).
Teve
até uma vez que meu pai provocou o velho Juvêncio, pois ele tinha acabado de
falar a mesma coisa e meu pai respondeu: “Mas papai, o senhor cobra tanto que a
gente seja igual aos filhos do seu Barroso e do seu Antônio, e o senhor, é
formado em quê?” (hahaha). O velho Juvêncio “queimou só num pistão”, como diz
meu pai (rsrsrs), o que significa que ele ficou com raiva na hora. Deu uma olhada brabo
no rumo do meu pai, que fez este sair de perto, pois o velho Juvêncio tinha até
ameaçado ele com um martelo e umas as facas lá de trás da casa que ele foi
buscar (hahaha). Imagine o medo! Mas é como eu disse no começo: depois que
passa, tudo vira sacanagem! Kkkkk.
***
Pois
bem, essa história foi muitas vezes contada na minha família e eu a conhecia bem.
Umas das pessoas que contavam isso era a minha avó Mercedes. Em 2019 me tornei
Mestre pela USP (o primeiro de minha família do Amapá a ter esse título) e em
2021 entrei para o doutorado. Aí me veio a ideia de que, verdadeiramente,
haveria um Doutor na família Lopes quando eu terminasse o curso, e meu avô, de
lá de onde ele está, ficaria orgulhoso, porque demorou, mas um de nós chegou lá!
E melhor ainda, seria Doutor mesmo, com doutorado, e não só como no tempo dos
filhos de seu Barroso que quem terminava a faculdade já era “doutor”!
Pois
eu fiquei com essa ideia na cabeça, e uma certa vez, num almoço em família, eu
prometi para a minha avó que eu levaria ela e minha outra avó Dalva para ver
minha defesa em São Carlos, e quando eu recebesse meu diploma de doutorado da
USP ia trazer uma cópia para a casa de cada uma das duas, para ficar o registro
do primeiro das famílias Lopes e Carvalho do Amapá a conseguir o título de
Doutor! Quando eu voltava de férias para Macapá e ia lá almoçar com ela, ela sempre me perguntava do curso e depois dizia "estou esperando, viu"! Para mim era uma questão de honra, como se a história do meu avô
tivesse sido um desafio. Ele dizia que “daqui não sai um”, pois eu ia mostrar
que sim “saiu um” e voltou Doutor!
Meu
pai, de certa forma já tinha feito um pouco disso, pois quando ele se formou na
faculdade (em 2008, meu avô já tinha falecido em 2005), acabou sendo o primeiro
dos seus irmãos a atingir o nível superior, o que certamente deixaria o velho
Juvêncio orgulhoso (e eu acredito que deixou). Mas eu queria dar o próximo
passo.
Infelizmente,
não terminei o doutorado a tempo, ainda estou cursando, e esse ano minha avó
Mercedes partiu para a outra vida, não sendo mais possível que eu a leve para assistir
a minha defesa como eu tinha prometido. Pelo menos não em vida. Mas ainda
pretendo levar minha avó materna Dalva, junto com meus pais, irmãos e minha
noiva, e cumprirei minha promessa de trazer uma cópia do diploma para cada
casa.
Todos
ficaram tristes com a partida recente de minha avó e minha tia, principalmente
os filhos delas. Mas junto com a tristeza me veio a frustração por não ter me
esforçado mais para ter feito as coisas mais rápido, por não ter sido mais
competente sabendo que minha avó já estava em idade avançada e ter conseguido
adiantar o término do meu curso. O doutorado é muito difícil, ainda mais em
física e ainda mais na USP. Além disso tem contratempos que acontecem que
retardam os planos de finalizá-lo logo. Tudo isso eu penso e procuro aceitar os
fatos como são, me consolando na ideia de que ela, minha avó, e ele, meu avô,
ainda poderão me ver chegando a ser doutor lá de onde eles estão!
Enfim,
era essa a história que eu queria trazer no dia de hoje. Não é um ensaio ou uma
crônica, não é uma discussão sobre um tópico altamente crítico da filosofia nem
da ciência. É um compartilhamento sobre uma parte de mim e de minha família com
você, leitor amigo! Obrigado por sua companhia, até logo!
Gerson Anderson de
Carvalho Lopes
Macapá, 29 de dezembro
de 2024.
[1] Nesse
texto, por ter uma característica diferente dos que já escrevi para a página e
ser muito mais informal (porém não tanto, senão não seria um texto meu), me
permitirei utilizar certas formas de escrita como “rsrsrs”, “kkkkk” e “hahahaha”,
muito comuns da escrita em redes sociais. Isso apenas porque é um modo de
representar as partes engraçadas que, provavelmente, se você leitor me estivesse
ouvindo contar essa história, me ouviria contá-la junto a uma risada.

Que história gostosa de ler. Me fez até rir dessa sacanagem que virou. Kkkkk
ResponderExcluirMuito bacana ter o seu feedback. Obrigado por comentar as suas impressões hahaha. Até os próximos textos.
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